28.3.11

às vezes, muitas vezes aliás, dizia ter medo, ao que ela retrucava em tom de graça:
"Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?"

4.8.10

o mata pensamentos mora loga ali na vontade do ilimitado

depois que o gilvan gritou para me chacoalhar
: "ser e saber-se um homem de tarefa necessária, de destino, é, sobretudo, ser e saber-se na possibilidade própria, isto é, necessária, o que incide e coincide com o ser no e desde o limite. É impor-se ser o que pode e, então, precisa ser e jamais pretender, presumir ser o que está fora de tal possibilidade, além ou aquém, e, portanto, o que, por princípio e constituição, não pode ser"

21.1.08

e a vida vai seguindo em sua arbitrariedade calculada
e a gente ainda tendo ilusões com planos & caminhos & alvos
a vida acontece é nos interstícios e segundos planos
enquanto a superfície acumula seus sucessos e fracassos
a alma vai se enchendo de pessoas e de memória
ou de vazio

11.9.07

e N. vinha caminhando pelo lado azul do dia, bebendo o amargo da Grande Perda. ia tentando salvar do desbotamento da memória uns detalhes, aquele sorriso, pra esconder no bolso e olhar quando surgisse a vontade de sentir de novo, como se ainda fosse vivo. porque quando a gente perde cd e chave, é um pingo de dor na hora, mas se esquece rapidinho, e eles não nos visitam nos sonhos pra matar a saudade, agora quando a gente perde gente, a dor é comprida. N. não sabia o que era perder. já tinha deixado de ganhar umas vezes, muitas vezes, mas perder perder, não conhecia. parabéns, N. descobriu um pedaço grande da vida aí, o pedaço em que se perde de verdade e não tem jeito, e agora já pode até escutar todas as músicas sobre Grande Perda que nunca disseram nada de compreensível, só exagerites, ah, vai, supera, né. não supera não, e nem quer superar, quer deixar bem vivo. mas a memória gosta da gente mais que a gente mesmo e quer nos livrar das lembranças dolorentas, aí um dia esconde aquela conversa na cama, no outro, dilui a imagem da luz da manhã no corpo sonolento e assim sorrateiramente até que N. esquece, esquece a dor, esquece o bonito que era, esquece como a vida podia ser mais. esquece. e sorri de novo sincero, peito aberto, menor, mas aberto.

30.8.07

as coisas passando passando e virando memória. triste, tanto querer que ficou assim esfarrapado no meio da sala, no meio da vida, no meio do nada. dor que vira mágoa que vira dor que vira lágrima. flores ao telefone, adeus.

19.3.07

um céu azul azul, um sol mais corajoso de fim de inverno misturando as crianças e os cachorros do parque e N. tentando respirar vida. “no pasa nada”, repete a si mesmo procurando diluir o mal-estar e recobrar a visão. porque, na verdade, é disso que se trata, cegueira. para além de se sentir como que se desfazendo diante do real, como é possível enxergar qualquer coisa se se mira somente um ponto do espaço, a si mesmo?

23.2.07

apenas à espera que tudo isso se transforme em memória, porque na lembrança fica mais bonito, dá para quase sentir saudade, porque na lembrança não figurarão essas ausências de agora e esse desconforto em não estar totalmente à vontade para ser eu mesma.

13.2.07

Hoje me preocupa a amargura dos nossos olhos, como se a experiência do mundo não fosse mais do que a frustração, sempre. como se respirar incessantemente a precariedade impregnada em todas as coisas não fosse apenas um passatempo de mal gosto. Sim, talvez encontremos nisso um prazer oculto. Ou talvez seja uma forma de se eximir da necessidade de sermos perfeitos, por que o mundo mesmo não o é. Ou talvez seja apenas covardia. Não sei, aliás, sei menos a cada dia, porque não somente a amargura contamina nossos olhos, mas também a complexidade. Mas reconhecer o quanto a realidade transborda em complexidade não é senão uma forma de bloquear o pensamento. Bem, entre amargos e complexos, ficamos assim, paralisados, quase mortos.

"...y después, la letra de otra canción que dice: me desprendo de los días sin aire, del dolor de estómago, de los huevos sin yema dentro. Me desprendo de mi deseo de morir. De mi deseo de agradar. De mi deseo de matar. Cierro los párpados e estoy em paz. Dejo mis dolores de lado. Dejo mis rencores de lado. Cierro los párpados e estoy em paz" (de la obra teatral "Trece años sin aceitunas")

6.10.06

e a vida ficando mais crua, mais realidade apequenando os sonhos: você fazendo coisas menores para sobreviver no mundo dos campeões, os campeões te massacrando com seu “sucesso”, as pessoas te humilhando com mil sutilezas e também sem pudores mesmo, você engolindo sapos e sorrindo por não poder mandar à merda, você sendo simpático com aqueles que são um porre só para manter as redes de contatos. a vida é uma merda, é desrespeito demais com o humano.

16.7.06

os dois abandonados nas almofadas do chão, o ar carregado de vinho e de miles davis e ela querendo embriagá-lo com a vida. há muito havia tomado para si a missão de despertar os outros do sono automático para mergulhá-los na vida, não no registro daquela vida cotidiana em que todos se movem, mas na vida essencial, no coração pulsante da vida.
— é isso, estou sempre esperando pela comunhão, sabe? comunhão é momento encantado, é encontro de almas mesmo.
— mas ter comunhão com quem?
— esse alguém aparece às vezes, mas as pessoas tem pressa, as conversas são mais povoadas pelas banalidades do todo-dia, por algumas piadas e pelas novidades do mundo das coisas. comunhão só acontece quando as palavras querem falar das coisas sérias ou das coisas belas.
— e por que será que é tão difícil?
— na comunhão, é preciso se mostrar demais, mais do que as pessoas estão dispostas a expor ou talvez mais do que elas estão dispostas a enxergar de si mesmas, do mundo. comunhão fala mais de fragilidades e dúvidas do que de sucessos e convicções. comunhão fala da verdade do que você sente, pensa. e nem acho que é preciso falar de si para ter comunhão, fala-se de si falando de outras coisas, assim é sempre mais interessante.
— você ama demais as palavras, não é? a comunhão depende tanto assim delas?
— a palavra é como eu posso me mostrar para o outro, mas é verdade que a comunhão, por ser mágica, é maior do que as palavras. a vida é mais sutil do que as palavras e comunhão é acordo tácito, não se fala sobre ela, simplesmente acontece, você só sabe que aconteceu e que foi mágico.
— é como esse agora.

15.7.06

parênteses para um lamento

um ano e meio de mestrado em teoria econômica. errar, a gente sempre erra, mas alguns erros são mais caros do que outros. não consigo deixar de me sentir mais amarga, mais manchada do que lá no começo, pois não é possível passar por isso sem que algumas coisas morram dentro de você. e certamente morreram algumas inocências, algumas ilusões, um pouco de sonhos e, o pior, algo da curiosidade intensa que eu tinha - o mestrado me ensinou o sentimento do desinteresse. agora tenho mais receio e escondo minha curiosidade para não me frustrar. eu sei, já acabou e agora a vida, é para criar. a ar é mais leve e o mundo me aparece como novidade mais uma vez, mas não posso ainda deter o choro de uma dor contida pelo tempo recém-passado. Foi Horrível.

5.6.06

hoje te vi e nada falei. tinha dentro uma ansiedade deslocada querendo te ver, mas quando te vi, não tinha nada para falar, como se o desejo fosse só do olhar mesmo. na verdade, queria conversar sobre um monte de coisas angustiosas da mente, mas o que eu tinha para dizer não cabia naquele momento desleixado do cotidiano, entre cálculos de econometria e sociologias de florestan, minhas palavras pediam mais gravidade do ar e um tempo sem fim contado no relógio. quase sempre é assim, não sei preencher o esbarrão no corredor, porque o esbarrão do corredor não pede palavras belas nem sérias, apenas algum som vazio e simpático que demonstre qualquer falsa intimidade.
sabe o que eu queria te dizer? que eu sempre te arrasto em minhas confusões, que nada está pronto, porque tudo é vir-a-ser, nós mesmos e nossas estimadas criações, que meu coração não consegue ter paz da obsessão de perscrutar essa vida imaginada que a gente tenta viver, que é por isso que a arte é essencial para mim, porque nela encontro tímidos raios de luz me mostrando pedacinhos da vida que me espanta tanto, que eu também não quero parar de falar do florestan com você, pois faz parte da vida que não é a imaginada, cuja aridez me intima a pensá-la.
não disse nada, o momento se perdeu. fui embora e você ficou fazendo qualquer coisa na tela brilhante.

20.5.06

ele sempre esperando, esperando godot, talvez. diz para ela ter paciência com ele, vai passar. ela precisa de atenção, ele desconversa, mil desculpas para se omitir. a presença dela o angustia mais ainda, não pode imergir em sua escuridão. ela cede a um rápido desespero, não sabe como retê-lo, diz que vai esperar. ele tem dúvidas, mas não consegue reagir, queria abrir o peito e mostrar tudo para ela, escancarar seus enigmas. a tristeza o absorve e ele sussurra qualquer coisa para preencher o silêncio. ela parece satisfeita com essa tênue ponte de palavras. ela se engana, ele não se deixou fixar, escorregou de sua percepção. ele pensa nela com carinho e foge no fim de semana.

1.5.06

hi, stranger. é embaraço que sinto diante de ti, um embaraço em arrumar minhas idéias, minhas teorias, minhas preocupações, minhas sensações, minhas dúvidas, minhas emoções e meus sentimentos. embaraço em traduzir tudo em palavras precisas e claras para me mostrar. esforço-me, com derrota. e angustio-me por saber da derrota já antecipada. tento disfarçar o embaraço com uma prosa ágil e confiante, você parece acreditar nessa cena, não desconfia quê. sinto-me menor e olho o tempo, querendo que acabe logo para que eu possa voltar ao castelo seguro do eu sozinho e nunca mais sair de lá. sinto-me vazia e preciso do silêncio para me encontrar de novo, imensa.
não, não é só embaraço, é mais, é pavor de encarar seu olhar, de ter que procurar algum som para preencher o espaço. penso em sair correndo, procuro me esconder por trás de uma bobagem qualquer, ganhar tempo. mas você não desiste, quer me despir. e eu começo a duvidar que tenho algo a te dizer, algo interessante para dizer. mas eu tenho sim, eu sei, mas não posso, não sob essa pressão, sob esse olhar de espera. não acho que seja medo do teu julgamento, é um pavor de tua presença a me questionar. vai embora logo.

20.4.06

outra fase de ficar calada, tentanto des-cobrir. não há o que dizer, por não ter nada a dizer, por ter tudo a dizer e querer ficar calada mesmo assim, por não ter vontade de dizer e brigar para poder dizer. tentando des-cobrir. o que se é, o que se quer, o que pode ainda ser mágico e te fascinar, nem sei mais e a vida na verdade é só isso mesmo e chega de se importar com. mas não, ainda não crescemos e por isso ainda me espanto com o vazio intenso. e o amor? tão imperfeito coitado, fingindo ser perfeito. aqueles amigos que me fizeram perceber que tudo o que morre, morre aos poucos. dói ainda, sempre dói, né? os outros que não morrem, mas vivem por aí, por longe. e os outros que estão tão perto que não enxergam. amo-os todos, mas não posso tocar-lhes, essa impossibilidade de dizer, e tinha tanto para dizer, uma noite inteira. e quem tem uma noite inteira para esperar?

então batem esses ventos de tristeza e você fica assim jogado, meio sem saber bem, querendo achar a saída que ainda não pode ser. a angústia aperta forte no peito e aí eu preciso explicar e me equacionar em um parágrafo qualquer. nem é só por andar de lado de um ou outro desejo frustrado, é mais. é alguma coisa que fica gritando lá dentro por um espaço no eu, mas que não dialoga com a consciência, não conhece significados e significantes e por isso está à margem do domínio do pensamento. mas continua a incomodar, a te paralisar para a vida corrente e para as demandas do outro.

9.4.06

não, não há mais heróis. os heróis viviam no alto do olimpo, junto com os deuses, e de lá se prestavam à nossa admiração, admiração essa que nos impulsionava pelo desejo de ter com eles no banquete da sabedoria e do conhecimento. naquele tempo, a luz dos heróis nos orientava pelo caminho do amadurecimento. e então, crescemos. e então, os heróis morreram de suas limitações e incertezas, tão iguais às nossas.
mas a vida continua sendo feita de encontros. encontros não com heróis, mas com vozes que não podem negar sua crua humanidade. essas vozes não iluminam o caminho, mas afastam as trevas de um ou outro pequeno cômodo. pelo diálogo – pois com heróis não se dialoga, pode-se ser apenas espectador de seus monólogos -, as vozes nos enriquecem com outros olhares, outros senões que se acrescentam ao curso do vir-a-ser. e talvez se tornam amigas.

a vida segue em seu caminho sucessivo de cristalizações e desconstruções, não sem uma dor que é dor de parto, parto do ser, do vir-a-ser. e se o que impulsiona esse movimento são as contradições, a dor nasce da negação da subjetividade dominada, conhecida, que, ao ser desmontada, leva consigo o chão que acreditávamos pisar. mas a negação abre para a superação, a possibilidade de outra forma do ser, ainda embaçada, desajeitada e mais interessante também.
de qualquer forma, dói aceitar a dor da transição, pois não há senão fragmentos onde se agarrar, ruínas do que foi arrasado pelas novas experiências e pedaços quaisquer ainda não formados. dói encarar a inadequação da velha fôrma, a insuficiência das antigas conclusões e o desconforto com o que agora nos desconcerta.
mas passada a tempestade... certamente outras virão – porque a vida de modo algum é equilíbrio - só não sei se tão fortes quanto nesses tempos de um eu mais flexível porque ainda não escavado pelo tempo.

26.3.06

declaração ao cuca

cara, como eu te amo, e meu pensamento sempre te buscando. você nem sempre entende minhas teorias pomposas do ser e do viver, mas de algum modo só você sempre entende, porque vibramos no mesmo tom carregado de cansaço, de tristeza. e mesmo quando nos abandonamos em compridos silêncios, compartilhados no escuro do quarto e nas almofadas da sala, estamos juntos, cúmplices em nossas aventuras solitárias.
você sempre vem provocando minhas risadas e fazendo piadas do meu jeito arrogante, e na verdade você quer que eu te olhe para poder mostrar qualquer coisa sua para mim. eu quase sempre quero te olhar mais, sugar mais do teu eu tímido. já te disse naquele dia que você não dormiu me esperando chegar que você precisa encontrar um alguém que tenha paciência de desenterrar os tesouros guardados fundo para ninguém ver. e você gostou.
sinto saudades de seus carinhos inusitados em meu pé quando deito na poltrona e como você vem apertando minha barriga para me humilhar, e seus abraços desajeitados que nunca querem retribuir os meus. meus carinhos, você recusa, você sabe que eu só canto para você e recusa, sempre. e eu continuo cantando, sempre, só para você.

penso em você, irmão querido, penso em seus caminhos e descaminhos e quero estar sempre de mão dada contigo para te proteger. ou talvez para que você me proteja.

23.3.06

entre as coisas que detesto com força está uma certa atitude mental que considero infantilidade tardia e que emerge no tom de lamúria arrastada em conversas de bar. são reclamações infantis, pois miram no irremovível, no que é parte da essência mesma do estar-no-mundo. é como um lamento chorão que cobra do mundo tudo o que este insiste em lhe negar. e o mundo, em sua indiferença glacial, lhe deve tanto...
o que a infantilidade tardia é incapaz de enxergar é que a questão é sempre o que se pode fazer a partir dos limites do real, o que é possível construir com o que está dado no horizonte muitas vezes nebuloso do existir.


ilustrando: quanto me lamentei, e talvez ainda o faça lá no fundo solitário, ao me perceber tão pouco transparente a mim mesma e aos outros queridos, assim como ao descobrir a escassa transparência do outro diante de minhas percepções curiosas. mas não se pode fazer muito mais do que aceitar com coragem que, sim, somos seres obscuros e a incomunicabilidade permeia todas as relações
.

21.3.06

sabe, é que a verdade de um certo eu se compõe no olhar do outro e são tantos eus quantos forem os olhares dos outros. não acredito em uma luciana essencial, um eu de verdade, acredito que cada pessoa faz despertar um jeito específico de ser luciana (qualquer alguém) e, tirando as omissões e falsificações deliberadas, não há falsidades, representações, todos os jeitos despertados são momentos desse tal eu. ajo e reajo diferente conforme o outro que me olha e sei que sou sempre eu mesma.

1.3.06

no começo, a frustração. depois, o bom senso ponderando as apreciações apocalípticas de modo a tornar a vida possível.
de onde vem a frustração? certamente dos resquícios juvenis ainda resistentes ao amadurecimento, certamente da exigência da pureza de todas as coisas. pureza por si mesma fictícia, imaginada, mas desejada com a convicção das realidades sérias. não, não tenho indulgência com os rascunhos de uma pureza corrompida.
mas o fato é que a realidade é sempre menor que o sonhado, que o esperado, e é também sempre maior que o que pode ser pensado, apreendido pela razão e pela consciência. a realidade é imperfeita e misteriosa,faz troça de sonhos e racionalizações.
e então, o nó do momento: a tensão entre o esforço denão se deixar macular pela pequenez do real e a necessidade de retocar o imaginado cintilante com a tinta fosca do inelutável. diante do dilema, há o que não se negocia - a largura do olhar -, sob pena de arcar com uma vida que só pode ser menor.